domingo, 2 de junho de 2019

K

Divinum lumen


No silêncio das carpetes, no ar almofadado, há uma surdina (una sotto voce), uma obsequiosa melodia vocal que se espalha pelos tapetes assim, lentamente, como o insidioso desastre em que gaivotas e corvos marinhos se enlearam numa dança cruel e finita.

(foto do autor
obtida com telemóvel) 

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terça-feira, 19 de março de 2019

K

Ouve



Ouve,
sabes o mar?
A alternativa
ao sorriso desdentado
ao chão fletido sobre si,
na secura esquecida
de tempos assim,
como devem ser.

Há uma busca tão demente,
 um frenesim,
um vaivém de rupturas,
de perdas, 
que o céu faz-se obedecer,
num anil fero;
bendita a hora do crepúsculo 
inclina as árvores,
sorri ao vento,
à aragem amável,
mas feérica.

Ao longe a cidade,
formigueiro de braços 
e pernas inconsequentes,
rajada térmica,
onda sem frequência 
porque já passou o seu tempo.

Não evites o sol pôr,
o sorriso que as velhas
lhe encontram 
em caminhos de vagas intenções.

Mira, vê e olha!
Sê uno e manifesto,
não perdoes a iliteracia do gosto!
Sê uno e manifesto!

(foto do autor
obtida com telemóvel:
entardecer no bairro de Alavalade,
Lisboa, inícios de 2019)

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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

K

David e Urias



Subindo pelos prados,
arrastavas os ramos,
rastejavas pelas raízes, 
bebias um súbito orvalho
que a terra dispensava.
Eram os tempos do solstício,
das noites magníficas,
obscuras como as palavras
que nem soletravas,
monólogos transgéneros
que mantinhas com a Lua Nova.

Não esperes pelas horas da manhã

ou pelo sorriso presunçoso dos pássaros.
Agarra os instantes 
como se fossem os frutos 
da Árvore da Ciência 
do Bem e do Mal;
e, então, 
a terra generosa 
como David
para com Urias, 
te trará fogo, 
e traição,
e morte 
e tu finalmente repousarás
a cabeça  
naquele orvalho
que bebias
 no inicio deste poema... 

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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

K

Paletes

Por que escrevo?
Que pretensão é esta? 
A de lançar palavras, 
que tantas vezes se empilham, 
escorrendo menos do que
vocábulos, 
apenas letras;
a minha fúria 
da quase mudez, 
semiótica... 
(semióptica...) 

(foto do autor
obtida com telemóvel:
estação de metro 
do Saldanha-Lisboa) 

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terça-feira, 13 de novembro de 2018

K
Disfarçava a sua total falta de competências sociais usando calças largas e ténis de sola grossa. Parecia alta, ostentava sempre um ar sério, não gélido, talvez distante.

Não era bonita, nem sequer gira. É provável que desejasse marcar presença pela pose; conseguia apenas mimetizar-se, fundir-se na atmosfera, ser apenas a moça das calças largas, dos ténis gigantescos. 

Uma só vez: a vi agradecer, a vi seguir alguém com os olhos, a senti morrer de amor. 
#77palavras #prettyfright #forgetmenot #howmany?

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quarta-feira, 7 de novembro de 2018

K

montra

Numa montra
empoeirada,
passado aos restos
mostrava-se tal qual fora,
quando em tempos
se vendera em restos
de sonhos piscos.
Os vidros,
ainda mirando os anos 20,
as prateleiras,
o chão flutuante
como a vida, 
todos se perfilavam,
na modorra
de algo que desliza:
tempo vitrificado
escorrendo... 

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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

K

memória finalizante


.
É na memória 
que relembro o perdão,
o difícil de dizer:
“Eu perdoo-te”
e empurrar esse pacote,
bem embrulhado,
de laçarote,
para o fundo 
do esquecimento.
De lá brota,
 às vezes,
e é nessa acidez-relâmpago 
que relembro que o meu 
limite
se aproxima,
afasta
de um Perdão Infinito
gotejando 
a Sua essência,
na lentidão
do escorrer dos dias.

(foto do autor
obtida com telemóvel:
jardim nocturno em Marvila)



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sexta-feira, 3 de agosto de 2018

K

mar-rio

É  aqui que o rio
encontra o mar e,
nem sequer a sereia  
sabe do bater dos seus corações.
Na passada corrente do mar,
entre frondosos sonhos, 
sorrio à luz
e a uma sereia
que não capitula
ante o esquecimento
de um saber ancião:
que dizem as águas 
entre si? 

(foto do autor,
obtida c om telemóvel:
 uma manhã em Milfontes) 

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domingo, 5 de março de 2017

K

ânsia

A tranquilidade será impossível de atingir.

Todos sabemos o que nos espera.

(fonte da imagem:
arquivo do blogue)

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domingo, 14 de agosto de 2016

K

teimosia


Na chuva que, 
teimosa,
me persegue,
embarcarei
qual piloto
improvável.

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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

K

Acenos

Já viste como te acenam os teus olhos?
Já relanceaste os teus olhos pardos
pela espuma que os segue?
Já olhaste e viste o mar,
em ondas seguras?

Prepara a tua bolsa,
o teu sorriso e o passaporte;
hoje o teu corpo viajará, quer o sigas ou não,
e não haverá espuma, ondas seguras ou olhos pardos
que reconciliem o teu coração, as tuas mãos ou a tua boca errante.

No fundo,
embarcarás,
num sonho mascarado
depositar-te-ás toda,
e o teu regresso
não passará de uma memória 
vazia.
(Imagem do autor
obtida com telemóvel:
noite de Verão no Palácio da Pena)


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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

K

partida

Apago-me
na semi-obscuridade.
Vejo um limiar,
uma semi-luz
que me abraça,
numa letargia doce
que me semicerra os olhos.
É uma linha,
uma gentil, doce linha,
que me lava os olhos.
Sinto a cabeça já longe,
na distância rouca
de um tempo
que irei conhecer.
Vejo as mãos,
os dedos estendidos,
num quase cumprimento,
melhor, num adeus.

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segunda-feira, 27 de abril de 2015

K

entardece

Um corpo marcado pelo vento,
as águas formam trilhos,
espreguiça-se o compasso,

a bússola treme.
O vento tresmalha algumas folhas,
só se ouve o restolho.
A colina beija, lentamente,
o riacho que se espalha
na brandura de um entardecer;
o sol fixa-se,
um gesto expectante ganha forma,
e o tempo pára,
numa apoplexia deslumbrante:
cerejas misturam-se no pó,
amoras mergulham sôfregas nos córregos,
a brisa morna tudo envolve numa prodigiosa
salada de frutas.
Entardece então.                         

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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

K

Inverno

É no Inverno que o orvalho brilha mais sobre a caruma espalhada. É no Inverno que o frio escorre por nós abaixo, que o Sol brinca entre as árvores. O bosque, a floresta, estendem-se ante nós, contrariando, na sua Paz, o fragor que todos quer engolir.
(entretanto, numa praia perto de si...)


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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

K

longe a luz



 É no Inverno que o orvalho brilha mais
sobre a caruma espalhada.
É no Inverno que o frio escorre por nós abaixo,
que o Sol brinca nas árvores.
O bosque, a floresta, estendem-se sobre nós
contrariando, na sua Paz,
o fragor que a todos quer engolir.
Enquanto a vida silva, saltita, se some e se sacode,
os arbustos riem na Luz  que os envia para longe.
Lentamente, o silêncio.
A multidão das sombras tudo tomou.
Até amanhã.

(Publicado no blogue de 
M. Fonseca Santos 77 palavras)
(fonte da imagem: n/a)

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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

K

Rol

Agora, já não há mais tempo
de encostar a cabeça,
de dizer ao vento: "Espera!",
já não é o tempo de tentar
e de procurar.
O aço,
o fulgor mate,
rodeiam-nos 
cerrando-se.
Nem nos arbustos,
nas ervas,
há o cuidado 
no amparo,
suspendem-se as bagas,
os espinhos para um dia.

A máquina prossegue,
rangendo na inclemência,
um brilho metálico brutal
que cega as mentes.
Já não há mãos dadas,
cânticos ou bandeiras,
agora é o tempo do chumbo,
do esquecimento,
das listas elaboradas,
mortas
nas manhãs sucessivas...

("Não deixeis que a Polis vos esmague.
Sede os Cidadãos que deveis ser,
estai à altura do que vos acontece.
De resto, a Democracia fluirá,
vitória do povo."
Fala de Péricles a Atenas)
(fonte da imagem:

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sábado, 4 de maio de 2013

K

Ave Cartago!

Hoje, caiu Cartago.
Hoje,voou a águia romana.
(...)
Mas,
já ninguém lembra 
os homens mortos 
por um ideal,
por uma ordem,
ou só por ouro.

Quem foi Cartago?
O que foi Cartago,
isso sim.
Roma foi incomodada
por Cartago,
logo Cartago foi derrubada...

Mas os homens,
já nem lembram o Império,
as suas ruínas deixam-nos 
alheios aos tempos,
nem a morte do romano Demétrio
(soldado desconhecido)
ou do cartaginês Aníbal
(soldado desconhecido)
os levam a virar a cabeça.

Meu velho Cipião,
o tempo apagou-te
e aos teus feitos,
os arreios dos teus cavalos
desfazem-se,
o teu capacete,
as tuas insígnias,
o teu orgulho,
devem morrer para lá
do Tibre,
das praias desnudas
da Roma Imperial...
 
A balbúrdia romana de hoje
abafa o caos imperial
que conheceste;
descansa, 
enfim,
que a tua tristeza
não lave os restos
esparsos
das memórias 
de alguns...
Sperat, veterem Romanorum!
("Já colheste os teus louros,
já saciaste os teus lábios
com as imprecações
e a bebida.
Agora, entrega o poder 
a Roma, e vem saborear as
melhores delícias da tua vitória."
Fala de Heródoto ao grande Cipião,
um dos vencedores das Guerras
Púnicas)

(fontes das imagens:
1ª: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bosra-Ruins.jpg
2ª: http://www.crydev.net/newspage.php?news=53736
3ª: http://www.goodreads.com/topic/show/1296541-ruins-of-the-water-kingdom
4ª: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hallaton_helmet_front_left.jpg)

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quinta-feira, 5 de abril de 2012

K

lobo do Homem

Conta as nuvens,
inquire os céus,
abraça o Sol,
afaga a Lua.
As estrelas até
podem celebrar
a tua ausência,
não importa,
é o teu rosto
que imprime
o teu saber,
as galáxias
por ti
desenterradas,
pó de lembranças
que nem as águas
conduzem em si.
Mergulhas-te,
excedes-te,
forças o vento
até o desviares,
e soergues-te,
no horizonte,
no plano
em que buscas
a cisão,
raça de Homem,
apetite avaro!

(fonte da imagem:

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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

K

espera

Ahora: la siembra.

Esperaré
con la paciencia
del que deseó
y obtuvo. *

Espero,
sim, espero;
inclino o corpo sobre as paredes nuas
de uma memória em ruínas;
semeaste aljavas vazias,
grãos secos,
despojados da alegria do voo para a terra,
sulcos abertos para a vida.
Espero,
sim, espero;
por entre rochas, no horizonte,
levantam-se as poeiras de sementeiras já esquecidas,
de trilhos arqueologicamente extintos;
paciente, como um druida esperando a Lua Cheia,
com um pauzinho traço no ar da noite
as virtudes da esperança.
No meu desejo,
a espera é um animal selvagem,
virtuoso, brando,
certo da sua presa.

(*Griselda García cit. in
http://spleenmaleniano.blogspot.com/,
autoria: MaLena Ezcurra
(fonte da imagem:
http://pctpmrpp.org/forum/)

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terça-feira, 11 de maio de 2010

K

Equinócio

é, pois, neste equinócio
em que metade é céu,
metade escuro,
metade vida,
a outra pardo;
é, pois, neste equinócio
em que tudo é
meio
por
meio
que te entrego a minha
met
ade
afunilando os caminhos
do Inverno,
ou Verão,
dependendo
das tuas
direcções,
dos teus
sentidos
(fonte da imagem:

http://www.projetojade.com/)

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"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."

Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Leia, assine e divulgue! Sopro Divino

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