domingo, 2 de junho de 2019

K

Divinum lumen


No silêncio das carpetes, no ar almofadado, há uma surdina (una sotto voce), uma obsequiosa melodia vocal que se espalha pelos tapetes assim, lentamente, como o insidioso desastre em que gaivotas e corvos marinhos se enlearam numa dança cruel e finita.

(foto do autor
obtida com telemóvel) 

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sábado, 2 de março de 2019

K

Campanário

Era sob aquela massa,
pedra,
ferrolho e postigo,
ar macilento,
escuro táctil,
paredes e ameias,
calçadas as pedras
que escorregava
um riacho,
outrora líquido,
pedras enceradas,
o sol ecoando-se.
Nos ares, 
pássaros
e morcegos
esquecidos
esquiva, louca. 
O vento, 
em arco pétreo
esquece as searas 
outrora fustigadas. 
Erecta, 
distante, 
a torre some-se, 
cavalo balofo, 
tentando alado, 
o escape. 
Aquela gorda flecha
de pedra:
surdez 
de um deus 
humilde, 
busca 
vã 
duma eternidade. 


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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

K

conversa de café

Image result for cascos de cavalos a galope
Esta é a vida de café,
sorriu Diógenes.
Aqui se destroem 
sistemas,
se constroem modelos,
se mata e gera a Humanidade.
São os rabos sentados
que trazem mais iluminação ao cérebro,
as ideias fixam-se como laca chinesa.
Aristarco respondeu:
é esta a vida de café,
o mundo passa 
e somos nós que o moldamos
fazendo bem
e bem fazendo.

Entretanto,
das colinas da Ática,
Alexandre e Aníbal
(tecidos no Tempo)
aproximavam-se,
o tropel dos cavalos
exalando cinza.

(fonte da imagem:
https://pt.dreamstime.com/fotografia-de-stock-royalty-free-cascos-de-galope-do-cavalo-image11249327)


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sexta-feira, 16 de março de 2018

K

vida

E é no coração do vento,
nessas tuas mãos,
que o corpo se esvai,
numa rendição precoce,
desabotoando o meu sorriso;
é, pois, um jugo, uma quase
vitória,
um quase caminho
de retaguarda,
e é da varanda
que passo os olhos 
pela estrada,
num semi agreste 
sorriso,
alfa e ómega
duma vida
que se quer mulher.

(foto do autor 
obtida com telemóvel)

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sexta-feira, 2 de junho de 2017

K

Lar

Tem a coragem de não alimentares o teu dragão, os teus demónios ou os lobos que em ti habitarem.
Sê o teu lugar de acoitamento, teme só a tua própria madrugada.
Se, a meio da noite, acordares dá-te à escuridão e ela te protegerá.
Acima de tudo, mantém mal alimentado o horror que em ti busca descanso!

(fonte da imagem: foto do autor obtida com telemóvel: lareira beirã)

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quinta-feira, 9 de março de 2017

K

faz tempo

Resultado de imagem para valhalla
Faz tempo que te não vejo.
O anoitecer, a sua luz,
traz-me desenhos pueris,
manchas vivazes,
de ti.

Pediste-me que te esperasse,
que atentasse no Sol,
na Lua,
e os teus sinais viriam

Acocoro-me 
sobre um montinho de areia,
e miro o mar e
os montes que nele mergulham.

Só imagens fugazes
transportadas pelo tempo,
reversas na sua descontinuidade.

Paira uma manta de esquecimento,
um lençol de valquírias chorosas;
já não há reino etéreo
onde guardar a tua memória.

Assim me sustento,
nas cores de uma paleta,
nas tintas que se extinguem 
apontando para longe no tempo.

(fonte da imagem:
http://www.heathenhof.com/what-is-valhalla-and-who-goes-there/)

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domingo, 5 de março de 2017

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ânsia

A tranquilidade será impossível de atingir.

Todos sabemos o que nos espera.

(fonte da imagem:
arquivo do blogue)

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quinta-feira, 14 de abril de 2016

K

madrugando

Adormecer.

É na dureza da tábua 
que se adentra a manhã,
deslizando-se sem torpor,
sem fricção.
É a madrugada
que roça as pálpebras,
o som do pó nas tábuas,
a noite esquecendo-se
pelas frinchas.
As folhas das árvores,
os ramos na ginástica da brisa,
o sorriso desdentado de um velho tronco.

A madrugada sopra,
de mansinho,
os restos da noite,
a poesia do sonho 
legitimado.














Varre, também,
a loucura dos olhos teimando-se 
abertos, 
a obsessão do pensamento 
ladeado na demência
das horas lentas,
fincadas no infinito.

É na madrugada
que se assina o pacto
com a luz,
mesmo na dureza
do seu refulgir metálico.

("Sê a tua própria dona.
   Se te inquirirem,
   sê uma só voz.
   Que nunca tenham uma ponta,
   um só átomo contra a tua conduta."
   Fala de Filemon a sua amada Baucis)


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sábado, 10 de outubro de 2015

K

antes
















Antes que a vida vire futuro
e o presente já não seja uma prenda.
Antes que o sol se ponha
e as mulheres esqueçam o dar à luz.
Antes que tudo seja já passado,
antes que o teu sorriso
já nem seja memória,
antes que as tuas mãos
tenham esquecido
o sabor do meu rosto,
a prática dos afectos
volta-te e beija o poente,
que as flores aninhem
o teu poema
e as tuas mágoas virem nuvens.

(Foto do autor obtida com telemóvel:
Palácio da Pena numa noite de Verão)

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segunda-feira, 27 de abril de 2015

K

entardece

Um corpo marcado pelo vento,
as águas formam trilhos,
espreguiça-se o compasso,

a bússola treme.
O vento tresmalha algumas folhas,
só se ouve o restolho.
A colina beija, lentamente,
o riacho que se espalha
na brandura de um entardecer;
o sol fixa-se,
um gesto expectante ganha forma,
e o tempo pára,
numa apoplexia deslumbrante:
cerejas misturam-se no pó,
amoras mergulham sôfregas nos córregos,
a brisa morna tudo envolve numa prodigiosa
salada de frutas.
Entardece então.                         

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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

K

longe a luz



 É no Inverno que o orvalho brilha mais
sobre a caruma espalhada.
É no Inverno que o frio escorre por nós abaixo,
que o Sol brinca nas árvores.
O bosque, a floresta, estendem-se sobre nós
contrariando, na sua Paz,
o fragor que a todos quer engolir.
Enquanto a vida silva, saltita, se some e se sacode,
os arbustos riem na Luz  que os envia para longe.
Lentamente, o silêncio.
A multidão das sombras tudo tomou.
Até amanhã.

(Publicado no blogue de 
M. Fonseca Santos 77 palavras)
(fonte da imagem: n/a)

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terça-feira, 11 de setembro de 2012

K

estímulo táctil


Estava eu em Istambul,
e uma caixa-matriosca,
marosca, pois,
parou-me nas mãos,
talvez em gestos vãos;
tinha um jeito de russa,
cirílica escrita, não descrita.

Já estava eu em Londres onde,
uma caixa comprida, contida,
surripiou-se prás minhas algibeiras,
às beiras,
e era uma caixa discreta
num tom secreto de vermelho.

Entretanto em Berlim, ai de mim!
uma outra caixa-baú,
vês tu?
acotovelou-me,
tocou-me.
Era uma pequena caixa sem graça,
talvez até roída pela traça.

Afinal, das três caixas,
sem etiquetas ou faixas,
direi com ar astuto,
dentro da pequena caixa estão
o vazio e o zero absoluto!

(fonte da imagem:

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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

K

(caos)^0

É na Matemática,
na ciência incerta,
que forjo os meus dias.
Busco ostensivamente,
talvez,
as rectas que intersectarão
os meus planos mais arrebatados;
nas suas tábuas procuro
as exponenciais dos meus voos;
formulo equações
de espirais e buscas contínuas;
é no cálculo das probabilidades
que procuro as sortes que me escapam.
Senos e co-senos
definem humores quase impraticáveis.
Ainda há funções
de que me agrado 
e em que coloco as minhas variáveis.
E a minha vida desliza,
qual traneira,
em busca de uma onda,
em jeito de
parabolóide hiperbólico...

(imagem retirada da net:

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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

K

espera

Ahora: la siembra.

Esperaré
con la paciencia
del que deseó
y obtuvo. *

Espero,
sim, espero;
inclino o corpo sobre as paredes nuas
de uma memória em ruínas;
semeaste aljavas vazias,
grãos secos,
despojados da alegria do voo para a terra,
sulcos abertos para a vida.
Espero,
sim, espero;
por entre rochas, no horizonte,
levantam-se as poeiras de sementeiras já esquecidas,
de trilhos arqueologicamente extintos;
paciente, como um druida esperando a Lua Cheia,
com um pauzinho traço no ar da noite
as virtudes da esperança.
No meu desejo,
a espera é um animal selvagem,
virtuoso, brando,
certo da sua presa.

(*Griselda García cit. in
http://spleenmaleniano.blogspot.com/,
autoria: MaLena Ezcurra
(fonte da imagem:
http://pctpmrpp.org/forum/)

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domingo, 17 de outubro de 2010

K

espaços

Talvez haja silêncio,

no meio das palavras,
dos concílios.
Talvez o silêncio
jogue com os advérbios
de um modo inconsistente,
triste,
choroso, até.
Quem sabe se
uma faísca, um toque 
não será o vácuo puído
que cai entre as palavras
a que chamamos
barra de espaços...?

(fonte da imagem:
http://www.techonthenet.com/)

(inspirado num poema
de moriana publicado no seu blogue:
www.moriana2.blogspot.com)

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sábado, 31 de julho de 2010

K

tê de...

Que as minhas mãos,
os meus sentidos,
toda a minha vida,
se enfeite, se enrole, se encante
pela tua,
e assim se alague
pela vasta, loura seara
de T(r)I(go):
(fonte da imagem:
http://avenidadaliberdade.org)

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sábado, 24 de julho de 2010

K

queda VII

abraço os joelhos,
sedimento-me,
ferro o presente,
alucino fantasmas de espera,
espreito,
espreito,
espreito,

(...)

   longínquos os cheiros,
os sons crestados,   ressequidos
      da minha vila, lugar,
memória infinda, gesto puro, só,
do meu querido Alentejo!

(fonte da imagem:
http://blackman.bloguepessoal.com/)

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domingo, 16 de maio de 2010

K

águas latentes

Sonho-me às vezes rei, nalguma ilha,

Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha...
(Antero de Quental, Sonetos)

Encosto os joelhos ao queixo,
as águas acariciam-me.
Pra trás, ao fundo,
entre palmeiras duvidosas,
caminhos toscos,
batem, chocalham,
as canecas da alegria
dum povo que desejo feliz.
Do poder, da posse,
apenas desejo a noite balsâmica,
fulgente,
e nas águas brilhantes,
quero a Lua pra nela brincar,
em jeito de menino,
porque agora, aos meninos,
cegaram-se as vistas;
e na minha ilha,
a oriente de todos os sonhos,
de todos as visões,
está a minha majestade ignorada,
o meu poder apagado,
a inocência diluída.

(também publicado no blogue 
GPS-Global Poets Society em que participo)
(imagem s/r)

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domingo, 4 de abril de 2010

K

Finis













Não há eterno, já;
o infinito prometeu o vazio.
Já não vivemos:
as promessas
caíram em mãos indiferentes.
Já nem a tua voz
me leva à resposta.
As palavras doeram,
na ruína dos afrescos;
já não se (h)ouve um coração;
estradas solidárias,
gélidos carris,
não carregam
o vago sol da manhã.

Fugi;
da minha boca vazou-se o silêncio;
meus pés julgaram-se em atalhos,
em atalhos de bruma.
Não há fado,
sina,
o sempre.
Apenas uma luz fugaz,
entre dois palmos de fumo.

(fonte da imagem:
http://flickr.com/photos/kyramas)

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sábado, 6 de março de 2010

K

(des)caminho





Caminho grave,
sem sentido,
a rota resvalou
mágoa abaixo,
o trilho, esse,
quase férreo,
escapou-se pelos meus olhos.
O passo torna-se infantil,
quase gatinhado;
a Lua não sobe,
os pastos, imóveis,
nem dão pelo vento,
pelas razias doces, apopléticas.
Quase vi o frio,
soberbo,
banhando-me o cabelo,
em valsas obscuras,
anelando-me a blasfémia.
A vista esqueceu-se:
nada mais há para caminhar,
os juncos nada apontam,
as passadas recusam-se:

"E, (...) fenece esta primeira farsa."
(Gil Vicente in "Auto da Índia")
(fonte da imagem:
http://www.prmoises.com)

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"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."

Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Leia, assine e divulgue! Sopro Divino

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