Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
sábado, 10 de outubro de 2015
K
antes
Antes que a vida vire futuro e o presente já não seja uma prenda. Antes que o sol se ponha e as mulheres esqueçam o dar à luz. Antes que tudo seja já passado, antes que o teu sorriso já nem seja memória, antes que as tuas mãos tenham esquecido o sabor do meu rosto, a prática dos afectos volta-te e beija o poente, que as flores aninhem o teu poema e as tuas mágoas virem nuvens.
Hoje, caiu Cartago. Hoje,voou a águia romana. (...) Mas, já ninguém lembra os homens mortos por um ideal, por uma ordem, ou só por ouro.
Quem foi Cartago? O que foi Cartago, isso sim. Roma foi incomodada por Cartago, logo Cartago foi derrubada...
Mas os homens, já nem lembram o Império, as suas ruínas deixam-nos alheios aos tempos, nem a morte do romano Demétrio (soldado desconhecido) ou do cartaginês Aníbal (soldado desconhecido) os levam a virar a cabeça.
Por mil vezes que partisse, bornal entrelaçado nas espáduas (cálidas, quase vãs), por mil vezes que voltasse, litúrgico acto de despojo , nada me reconciliava com a tua fronte longínqua, genial (dizia-se…). Um bornal, ciclicamente desnudo, um acto de pobreza, uma ausência de abraço
terno, fácil. Teus dedos finos
tanto se erguiam, que refulgiam o divino. Envolviam-se, então,
em tão veras crenças, quantas as vezes em que meu bornal marchara na sua muda obediência.
Prudentemente, escassamente, sorriste-me. Meus lábios iniciaram a partida, então. Meu bornal, agora completo, agora leve de si, encetava, o curso da pobreza, da obediência, de uma castidade
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)