terça-feira, 18 de junho de 2019

K

a Lampedusa, homenagem de um plátano


A árvore,
verde alpinista
ensarilhou-se,
intrometeu-se,
enlaçou os arbustos,
na fuga canhestra
de ser madeira
de batel, falua,
caixão-caixote mediterrânico (…)

Tantas vezes em que Lampedusa
nem sequer se aproximou,
tantas vezes em que o sorriso do acolhimento
só trouxe campos
em que refugiar era de madeira,
até de árvore
ensarilhada,
intrometida (…)

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sábado, 5 de janeiro de 2019

K

Pompeia

Esqueci
Que o mundo líquido
Era este,
Navegado
Esventrado,
Ciúme vago
De pérfida
Lança
A que chamam
Acordo
Mar com dono
Não domado,
Barbatanas
Flutuando,
Eriçadas
Numa vingança
Que se deseja
Morna 
Em preia-mar.
Que o mundo líquido
Era este,
Navegado
Esventrado,
Ciúme vago
De pérfida
Lança
A que chamam
Acordo
Mar com dono
Não domado,
Barbatanas
Flutuando,
Marcas
Eriçadas
De uma vingança
Que se deseja
Parda,
Rebolando
Pelos canhões
200 metros abaixo
Levando a morte
Numa taça
Tocada pelos lábios
De Vesúvio,
O  Magnificente.

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quarta-feira, 26 de setembro de 2018

K

áureos...

É na ilusão do ouro
que as madrugadas
fluem pelas tuas veias;
caminhos que os barcos
esqueceram,
vórtices de algas,
sal das areias-rochas,
os corais vitoriosos
na espera.
Sim,
é em tons de ouro
que viras a página
de uma madrugada
que regressa
na suave brisa
das ondas
que se espraiam, 
leves, 
a teus pés.
(foto quase sem retoques,
Mortágua, algures no início 
do Outono) 


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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

K

memória finalizante


.
É na memória 
que relembro o perdão,
o difícil de dizer:
“Eu perdoo-te”
e empurrar esse pacote,
bem embrulhado,
de laçarote,
para o fundo 
do esquecimento.
De lá brota,
 às vezes,
e é nessa acidez-relâmpago 
que relembro que o meu 
limite
se aproxima,
afasta
de um Perdão Infinito
gotejando 
a Sua essência,
na lentidão
do escorrer dos dias.

(foto do autor
obtida com telemóvel:
jardim nocturno em Marvila)



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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

K

conversa de café

Image result for cascos de cavalos a galope
Esta é a vida de café,
sorriu Diógenes.
Aqui se destroem 
sistemas,
se constroem modelos,
se mata e gera a Humanidade.
São os rabos sentados
que trazem mais iluminação ao cérebro,
as ideias fixam-se como laca chinesa.
Aristarco respondeu:
é esta a vida de café,
o mundo passa 
e somos nós que o moldamos
fazendo bem
e bem fazendo.

Entretanto,
das colinas da Ática,
Alexandre e Aníbal
(tecidos no Tempo)
aproximavam-se,
o tropel dos cavalos
exalando cinza.

(fonte da imagem:
https://pt.dreamstime.com/fotografia-de-stock-royalty-free-cascos-de-galope-do-cavalo-image11249327)


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sábado, 14 de janeiro de 2017

K

ínsulas

Não nos esqueçamos das barreiras,
dos enclaves,
das penínsulas 
alheias à Terra.
Não nos esqueçamos 
que nos esmagam
com a prosápia
do seu umbigo.
Reconheçamo-los,
tenhamos a coragem
de nada lhes darmos
porque deles nada receberemos.


(imagem do
autor obtida com
telemóvel: largada de balões de ar quente
em Alapraia-Estoril no Inverno
de 2015)

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sexta-feira, 8 de julho de 2016

K

Carta aos ausentes de Nuremberga: 1945-1946



A minha memória foge:
Auschwitz, Bergen-Belsen, Dachau...
Toldam-se-me também as lembranças:
Varsóvia, Praga, Budapeste, Estalinegrado...
Um Estado-Maior de pura raça,
uns novos senhores da guerra,
mãos limpas, cristalinas,
enquanto o cano das metralhadoras
transportava o indizível.
Foram tantas, 
tantas as vezes
que a lama se encharcou de sangue,
tantas as covas tapadas à pressa,
que o aroma vasto da morte 
se espalhava mais livre 
do que todos 
os que assistiam àquela repetição
indefinida.


Sim,
haveis falhado o 
o compromisso com Nuremberga.
Na pressa, haveis esquecido
o avanço pelo estupro:
os vossos homens brandiam todas as armas
Rússia fora...
Também haveis esquecido 
a ocupação,
os magotes,
os berros e a pancada,
(o próprio gás).

Os meus olhos estiveram ausentes 
de tudo isso,
mas sinto como minhas as dores,
como sinto os rostos obliterados,
diluídos pelas franjas da História.

Vós,
e cito alguns a eito:
Eichmann,
Bormann,
Goebbels,
Hitler,
Mengele,
Himmler,
Reinhardt...
todos haveis falhado
o compromisso com Nuremberga, 
todos vos haveis esquivado
à sentença
e à corda.

E afinal,
de que serve 
"a liberdade sem trabalho"?


(fonte da 1ª imagem:
https://atmagalhaes.wordpress.com/2015/11/)
(fonte da 2ª imagem:
http://viagens.efetur.com/noticia/oswiecim-a-cidade-esquecida-onde-esta-auschwitz/)

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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

K

Noite sem resposta



Noite de trovões,

de arruaça nos céus.

Uma casa destacando-se,

na sua pequenez,

no meio da cidade.

Por entre as árvores,

fui-me chegando,

as mãos tremendo no gesto;

gesto contido,

os dedos acariciando o vidro,

mais do que batendo.

Repeti,

a voz sussurrada

a acompanhar o chamamento;

respondia-me o fragor,

anulamento da minha chamada.

O quintal,

as árvores-penumbra,

continham a sombra

que me seguia,

quase réstia de mim.

A janela abriu-se,

nem terão sentido

os meus passos.

(fonte da imagem:

http://junkpit.net/2011/freehand-flinders-street-at-night-colour-and-black/)

(publicado no blogue 77 palavras de Margarida Fonseca Santos)

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segunda-feira, 22 de julho de 2013

K

descendente

Além, nada vislumbro,
a meus pés, 
sombras,
apenas.
O garrote
ainda solto,
as mãos
albergam trevas,
a cabeça,
deixa-se penetrar,
para muito longe.
Faltou-me o pé,
a longilínea forma
da harmonia,
mas a queda 
não é fatal,
os olhos 
nem resvalam,
o alvo queda-se,
mudo,
e a manhã
ergue-se 
na simetria 
dos afagos...




(foto do autor
obtida com telemóvel)

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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

K

indiferença

Joan Miró. Drawing-Collage with a
 Hat.
Nada me interessa já;
agora o tempo desliza
compacto,
em torrentes de névoa;
o vento faz por soprar
restos de tábuas
já amarelecidas,
recordações
navios esquecidos.
 
Nada me interessa já;
se estou à janela,
o tempo marcha
numa coluna
de estropiados,
restos de homens
que foram
milícias de um povo
que já os esqueceu;
 
Nada me interessa já;
onde as árvores
se avistam,
onde a terra se faz céu,
tudo adormece,
na tranquilidade
de quem
pouco sabe,
de quem ainda é.
  
Hoje,
houve camponeses
sem pão,
operários sem féria,
pescadores sem peixe.
Hoje,
a fome sentou-se
a muitas mesas.
Hoje,
já nem as palavras,
nem os comentadores
consolaram fosse quem fosse.
Assim,
penso ser honesto
quando sussuro em surdina:
"Nada me interessa já".
("Não brades aos homens,
sobretudo aos que te governam;
na tua serenidade povoa os teus
pensamentos de imagens felizes;
cairão nas suas palavras mais cedo
do que imaginas."
Fala de Tácito a Bruto,
antes do punhal)

 (fonte das imagens:


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terça-feira, 10 de julho de 2012

K

crime perfeito...

Tudo começou por ser estranho, como é já da praxe.
Parecia ter-se tratado de um crime. Suspeitos? Havia quem se risse à socapa: poderiam ser tantos que a contagem seria um exercício de futilidade.

            AG havia muito que aparentava ter-se retirado (era, apesar de tudo, ainda um suspeito).

            DB andava por essa Europa fora, aparecendo o suficiente para ainda ser lembrado.

            Quanto a SL tinha estado pouco tempo, era provável que nem tivesse muitas responsabilidades no assunto.

            Sobravam JS e PC: eram os mais recentes, eram aqueles cujos comportamentos poderiam denunciar algo. Sabia-se que JS estava fora, levando uma vida de alegre prodigalidade disfarçada de labor intelectual: suspeito! PC mencionara o assalto, trouxera-o para as conversas de café: suspeito? Havia até quem falasse em entidades estrangeiras: demasiado rebuscado?

            As pessoas estavam aturdidas, tristes, dobradas sobre as suas próprias carências. Tudo fora tão súbito: de repente tudo mudara, tudo se encaixara numa realidade nova e “teimosa” a que ninguém parecia querer adaptar-se. A escassez doía e, mesmo com promessas de dias melhores, mesmo com o encorajamento dos bons desempenhos, sobrava um gosto seco de ausência de infinito, do não-regresso dos dias felizes, em que ninguém se apercebia da felicidade, porque afinal era felicidade e ninguém a enxerga enquanto vive nela; é como a saúde, é como com as coisas que se tomam como adquiridas.

            Fui dar uma grande volta pelos portugueses: nos transportes públicos as pessoas aparentavam tristeza, como se a Selecção há muito não fosse feliz nos jogos efectuados, como se a inquietação escorresse pelas paredes depois de ter submergido toda a gente, como se o Sol teimasse em ser sombra e a Lua ausência.

            Viam-se agora mais pedintes que queriam comida e não dinheiro. Viam-se também muitos comentadores de TV a tentar explicar o inexplicável: nunca na televisão aparecera tanta gente a opinar, a zangar-se, a entristecer-se com a sua própria impotência.
           
No fundo, o facto de não se saber quem fora o perpetrador ainda deixava as pessoas mais baralhadas, isto não era um “crime perfeito”, não era algo se fizesse a quem tanto necessitava, “não se faz”, dizia-se, “não se podem assim roubar o Subsídio Férias e o Subsídio de Natal!”

(texto concorrente a um desafio de

(foto do autor obtida com telemóvel)

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

K

um Outono...

Os soluços desfeitos,

a claridade possível,
o abandono,
o pesar
(o quase estado de graça)...
rasteiraram-me no quotidiano
solto,
augurando silêncios pardos;
sei que partiria descalço,
trajado nos rigores daquele Outono
descaído,
quási pobre;
o caminho das ondas
trouxe-me vaivéns de sal,
do tempo em que à janela
largávamos pinturas,
e risos e gestos
caídos nos solos de velhas guerras;
solto agora o meu tempo:
há duas, talvez três auroras,
infinitos ocasos
engendram palavras,
poemas (quem sabe?),
mas era a obscuridade
que, insidiosa,
se espalhava

{como urtigas por campos de linho dentro...}
(inspirado a partir de um poema de marés, publicado no seu blogue marés de espanto)
(imagem retirada da net)

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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

K

o beijo

Beijou-me cálida,
a Morte;
ensaiou seus passos
(doble),
entre sussurros de vento
e brisas acres
enfeitou meus lábios;
gemi a vida
que me susteve
entre dois pontos,
em arco de círcunferência,
numa abissal dissensão;
em jeito de mim
apontei-me algures
entre o Médio Império
e o Palácio do Filho do Sol;
almirantei-me na fuga desoladora,
plácida entre dois pilares;
não cheguei a chegar:
osculado estava,
meus caminhos
já estavam possuídos...
(imagem retirada de http://www.abcgallery.com/: "O beijo" de Picasso)

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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

K

nocturno

No caminho do lobo,
encostado ao muro,
sigo as pegadas musgosas,
quase feéricas,
fétidas,
de velhos sonhos da floresta.
Em certas noites,
(dizia-se)
abriam-se atalhos,
a Lua descorava
num festim de gloriosas
chuvas áureas.
Arfo entre dois pontos,
suspiro àquela mata,
que recorda tempos
de fantasias lerdas,
de juízos malfadados,
de intrusões malditas.
Os meus passos suam
soluçam,
suspiram
restos de vinganças,
os meus olhos vêem
garupas escoriadas,
visões almoádas
(de quando o califa imperava),
os meus ouvidos ouvem
rezas há muito esquecidas,
um tropel de imprecações;
os tempos alvorecem
na minha frente...
na busca do dia.

{Ditei-te estas palavras...}

(imagem retirada da net, pormenor de
"Noite estrelada" de van Gogh)





































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"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."

Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Leia, assine e divulgue! Sopro Divino

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