Tudo começou por ser estranho, como é já da praxe.
Parecia ter-se tratado
de um crime. Suspeitos? Havia quem se risse à socapa: poderiam ser tantos que a
contagem seria um exercício de futilidade.
AG havia muito que
aparentava ter-se retirado (era, apesar de tudo, ainda um suspeito).
DB andava por essa
Europa fora, aparecendo o suficiente para ainda ser lembrado.
Quanto a SL tinha estado
pouco tempo, era provável que nem tivesse muitas responsabilidades no assunto.
Sobravam JS e PC: eram
os mais recentes, eram aqueles cujos comportamentos poderiam denunciar algo.
Sabia-se que JS estava fora, levando uma vida de alegre prodigalidade
disfarçada de labor intelectual: suspeito! PC mencionara o assalto, trouxera-o
para as conversas de café: suspeito? Havia até quem falasse em entidades
estrangeiras: demasiado rebuscado?
As pessoas estavam
aturdidas, tristes, dobradas sobre as suas próprias carências. Tudo fora tão
súbito: de repente tudo mudara, tudo se encaixara numa realidade nova e
“teimosa” a que ninguém parecia querer adaptar-se. A escassez doía e, mesmo com
promessas de dias melhores, mesmo com o encorajamento dos bons desempenhos,
sobrava um gosto seco de ausência de infinito, do não-regresso dos dias
felizes, em que ninguém se apercebia da felicidade, porque afinal era
felicidade e ninguém a enxerga enquanto vive nela; é como a saúde, é como com
as coisas que se tomam como adquiridas.
Fui dar uma grande volta
pelos portugueses: nos transportes públicos as pessoas aparentavam tristeza,
como se a Selecção há muito não fosse feliz nos jogos efectuados, como se a
inquietação escorresse pelas paredes depois de ter submergido toda a gente,
como se o Sol teimasse em ser sombra e a Lua ausência.
Viam-se agora mais
pedintes que queriam comida e não dinheiro. Viam-se também muitos comentadores
de TV a tentar explicar o inexplicável: nunca na televisão aparecera tanta
gente a opinar, a zangar-se, a entristecer-se com a sua própria impotência.
No
fundo, o facto de não se saber quem fora o perpetrador ainda deixava as pessoas
mais baralhadas, isto não era um “crime perfeito”, não era algo se fizesse a
quem tanto necessitava, “não se faz”, dizia-se, “não se podem assim roubar o
Subsídio Férias e o Subsídio de Natal!”
(texto concorrente a um desafio de
(foto do autor obtida com telemóvel)
Etiquetas: caminhos/obscuros tempos, circular
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E, tal como na vida real, a culpa irá morrer solteira, ficando o crime sem castigo... Abraço!
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