Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
quarta-feira, 31 de março de 2010
K
evolução
Caminho convulso entre restos de mim. Talvez recorde tempos felizes, gratos de vida. Sei hoje que já não tecerei mais quimeras. Arrasto todo o meu passado na repetição tragada do remorso. Aos aromas de primaveras recordadas nada sobra, a não ser a fuga de inteiros soluços. Voltei. Trago entre os polegares a evolução fugaz de quem teima em caminhar com os olhos postos nem se sabe onde, se dirige para o absurdo e insiste em proclamar-se "sapiens".
Quando a tua história se prostrar nos meus joelhos, quando o teu sorriso se pendurar no meu pescoço, quando as tuas fábulas, se derem a mim por inteiras, então poderás dizer: "sabes-me de cor, na cor dos meus sentidos"
São minhas as palavras que me corroem, me arrojam a mente pelo papel. Entre dois substantivos o verbo não se aquieta. Esfuma-se a ideia, o sentido. Passa o deserto pela Língua que, espúria, me atraiçoa o sentir. Em vão, junto os pulsos aos céus, a minha cabeça tomba, e um corropio feérico, desnuda a Palavra, seca, casca de nada, bocejo finando-se in sfumatto (ad miseria mundi...)
Caminho grave, sem sentido, a rota resvalou mágoa abaixo, o trilho, esse, quase férreo, escapou-se pelos meus olhos. O passo torna-se infantil, quase gatinhado; a Lua não sobe, os pastos, imóveis, nem dão pelo vento, pelas razias doces, apopléticas. Quase vi o frio, soberbo, banhando-me o cabelo, em valsas obscuras, anelando-me a blasfémia. A vista esqueceu-se: nada mais há para caminhar, os juncos nada apontam, as passadas recusam-se:
"E, (...) fenece esta primeira farsa." (Gil Vicente in "Auto da Índia")
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)