Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
quarta-feira, 28 de abril de 2010
K
antemanhã
(...) os teus caminhos
descruzam-se;
já não regresso,
deixo a peanha vazia,
o altar escurecido,
as cinzas frias,
(de)votos já gastos;
nunca os deuses se emudeceram,
nem os acólitos sonharam
nas álgidas coxias do concílio;
(...)
um sorriso vago
de um fervor quási dormente,
guinava-se, cálido,
pelas fragas da antemanhã...
(editado em 14 de Abril de 2010, às 09:38 no site de marés, onde me inspirei) (fonte da imagem: http://insalatamiste.blogspot.com, pintura de Claude Monet)
Teus olhos vertiam gáveas, pousavam sobre todas as ravinas, acima dos poços mendicantes. O teu anel sorriu-te num brilho vasto, demolidor: tudo sabia e saberá: executará a tua mão crua, gelada, conforme o seu querer. Sim, em cada gesto o temor, em cada palavra a ansiedade; e o teu anel brilhando, dolente, sedutor, marca as tuas horas rapaces, oh santo Inquisidor!
Uma velha trajando ausências percorre caminhos de suão, vislumbra rostos, existências, restos, rastos de rostos, trilhos, atalhos, essências. Caminha leve, sorriso baço, alegria breve, breve o cansaço. Talvez o sorriso terno, as mãos soltas, abertas, o olhar largo, materno, envolvessem, entre risos, vidas alvas, sólidas, despertas. (foto do autor obtida com telemóvel: Conímbriga)
o infinito prometeu o vazio. Já não vivemos: as promessas caíram em mãos indiferentes. Já nem a tua voz me leva à resposta. As palavras doeram, na ruína dos afrescos; já não se (h)ouve um coração; estradas solidárias, gélidos carris, não carregam o vago sol da manhã.
Fugi; da minha boca vazou-se o silêncio; meus pés julgaram-se em atalhos, em atalhos de bruma. Não há fado, sina, o sempre. Apenas uma luz fugaz, entre dois palmos de fumo.
saltitando pelas pinhas que as fogueiras esqueceram; subtilmente, escorriam as urzes submergindo as minhas penas, os meus degredos, os meus olhos tão cegos de tanto ver! Perdi as vistas pela luz roxa, entre os ramos: vaidosamente, digo, num carisma atónito...
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)