Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
K
o Magnífico
Brandistes o ferro, das vossas mãos saiu a morte, o esplendor; caçastes os inimigos, o ouro dos reis; a pobreza fugiu-vos à frente no pânico das ignorâncias.
Agora, os vossos vizires ostentam o poder que é vosso: a vossa Sabedoria povoa as ruas de Samarcanda, a vossa Justiça abate-se sobre os povos sedentos; num esplendor oriental, o vosso palácio acumula prazeres vedados, aromas ocultos;
e eu, habitante de Veneza, sinto a boca seca, pastosa, desse pó de ouro que desliza, dormente, por toda a vossa glória, ó Dador de Leis, Generalíssimo Senhor!
ثليمانقونقورم Sua Majestade Imperial O Sultão Suleimão I,
Soberano da Casa Imperial de Osmã,
Sultão dos Sultões
Kã dos Kãs,
Comandante dos Fiéis e Sucessor do Profeta do Senhor do Universo,
Protector das Cidades Santas de Meca, Medina e Jerusalém,
Imperador das Três Cidades de Constantinopla, Adrianópolis e Bursa, e das Cidades de Damasco e Cairo, de todo o Azerbaijão, de Magris, de Barkha, de Kairuan, de lepo, do Iraque Arábico e de Ajim, de Basra, de El Hasa, de Dilen, de Raka, de Mossul, de Pártia, de Diyarbakır, da Cilícia, das Províncias de Erzurum, de Sivas e Adana, de Karaman, Van, da Barbárie, da Abissínia, da Tunísia, de Tripoli, de Damasco, de Chipre, de Rodes, de Candia, da Província de Morea, do Mar de Marmara, do Mar Negro e também das suas costas, da Anatólia, da Rumélia, Bagdade, Curdistão, Grécia, Turquistão, Tartária, Circassia, das duas regiões de Kabarda, da Georgia, do planalto de Kypshak, de todo o país dos Tártaros, de Kefa e de todos os países vizinhos, da Bósnia e suas dependências, da Cidade e do Forte de Belgrado, da Província da Sérvia, com todos os castelos, fortes e cidades, de toda a Albânia, de todo o Iflak e Bogdania, bem como todas as dependências e fronteiras, e muitos outros países e cidades.
Teus olhos vertiam gáveas, pousavam sobre todas as ravinas, acima dos poços mendicantes. O teu anel sorriu-te num brilho vasto, demolidor: tudo sabia e saberá: executará a tua mão crua, gelada, conforme o seu querer. Sim, em cada gesto o temor, em cada palavra a ansiedade; e o teu anel brilhando, dolente, sedutor, marca as tuas horas rapaces, oh santo Inquisidor!
Talvez as tuas mãos, brancas, caídas sobre a mesa não fossem só o cansaço, dormente, que te depredava. Talvez a tua cintura, pálida, em jeito de torso renascentista, não fosse apenas deslumbrante. Talvez o teu rosto frugal, embaciado, escandinavo, seja apenas a Esfinge em espera quase dolente, loquaz…
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)