Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
domingo, 29 de dezembro de 2013
K
2013 AD
Soldadinho, por quem lutas? Soldadinho, por que lutas?
Soldadinho, sabes? Enquanto choras o caminho, enquanto trovejam os clarões, enquanto as botas te matam mais do que os outros?
Enquanto guerreias, há quem espera que sejas "máquina", e se debruce sobre o seu copo de uísque? Enquanto guerreias, há quem percorra um mapa e preveja a tua hora com a segurança de um horário de avião?
Sabias, soldadinho? Sabias que esperam que não penses, que ajas e pronto? Estás pronto, soldadinho?
Mergulha no segredo, ataca o medo, e vasculha, vasculha o sentido da teia que te atulha pela qual te tens batido...
Já esqueci a geografia. Obliterei caminhos, rosáceas, batentes de sombras. Embrenhei-me, desenvolto, nas poeiras fumegantes, nos incensos já mortiços, nos passos rasos dos tempos de reis-faraós, césares depois, imperadores, mais tarde czares, distantes, sempre; talvez amados, sim, em algumas geografias, mas vagos, mapas em branco, tão reticentes... (Primeiramente publicado em: http://gps-poetasdomundo.blogspot.pt/) (fonte da imagem: http://shekinah-shalom.blogspot.pt/2011_02_01_archive.html)
No mais escuro da noite, serpenteando por entre arbustos, ou pelas vielas mais estreitas, goza os dias curtos, envoltos num negrume tresandando a susto. Encosto-me ao vidro: só a claridade opaca, oblíqua, me ilumina os dias; um frio grotesco embrulha-me os ossos (e o ânimo), ainda são 4 e meia e já cabeceio, (magro dia este).
Há, no entanto, neste vago desaconchego, um sensível,
Uma flor no crepúsculo, o aroma do sol pôr, as vinhas prenhas, ao longe, a estrada deserta é cortada pela poeira, nuvens esquecendo o porquê; quantas vezes este quadro? talvez com outra paisagem, já extinta, outras envolvências esquecidas... há, no entanto, um mistério, uma gota de paz, serenidade talvez; os caminhos dolentes, as vagas trajectórias erigidas sob ventos puídos pelos enigmas que nos envolvem no abraço da estrada deserta e da sua poeira quase metafísica... (21/11/13, 15H27)
("Quando te deitares ao caminho, faz dos teus olhos amigos da estrada; quem sabe se não verás tempos já esquecidos..." fala de Plutarco a Aristeu, seu discípulo grego) (foto do autor obtida com telemóvel)
É no silêncio da noite, no ancoradouro dos mistérios, que os salpicos do tempo se depositam nas tuas mãos; ocultos, os tempos que te passeiam vão desaguar na fronte de uma estátua, restos de uma identidade esquecida, já; os teus passos acetinam o chão que te envolve, as paredes guiam a tua sombra em nesgas de lápis-lazuli, a luz apresenta-se como personagem de uma peça por ti encenada; chegaram os tempos das trevas, dos muros escorrendo saliências, das vozes de guerra, troando, da alegria emigrante refugiada algures no vento norte... Sobra o tempo, e, com ele, faz-se e desfaz-se...
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)