Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
K
sucessão finita
nada digo:
o tempo assalta-me de pudor
e a minha voz, frágil chicote de vento, é ancoradouro das trevas.
(comentário de maré ao meu poema 'fugas')
arvora-se-me o tempo pelo silêncio, o gotejar da memória corrói-me as têmporas; liso é o resvalar dos murmúrios, no soturno vazio de cascatas, feridas na pudica sucessão das horas...
No vago rosto da madrugada precipitei o fosco riso nascente, roçando de alegria o teu rir velado. O Sol galgava a manhã em trejeitos torpes, quase se desculpando pelos desencontros ocultos. Sabíamos a mudez das noites, dos ocasos que te agasalhavam em xaile fofo, materno... (...) Ousaste novos trilhos; sobra-me a certeza da madrugada, do Sol, das noites, dos meus ocasos...
a canção das águas feriu os ouvidos das manhãs pontiagudas; sentiram o olhar, penetrante até doer; (...) que caminho este tão longo, tão adiado, até ao esquecimento da planície dos juncos sem-fim...
(inspirado num poema de marés editado no seu blogue marés de espanto)
passou a vida, abandonei-a como a um trem, procurei passos familiares, boca que te nomeasse, apenas o trem dava novas, ao longe, no anoitecer; fiz-me caminho, travessa, atalho, rua; era só o destino da disjunção, da procura empatada;
(então, em conluio, em conspiração alla Sforzza o tempo fechou-se, em jeito de promessa, de riso extraviado...)
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)