Espraia-te, silêncio, busca-me, entre as pedras, pelos recantos redondos da areia, mas não vás por mim à beira-mar. Sabes, silêncio? As ondas rebatem, soltam-se e saltam e, quando não esperamos, ribombam e trovejam - imitação de fúria celeste. Agora, silêncio, agora é tempo de me embalares, caminho furtivo, busca do adormecer, rusga poética na dormência do sol-pôr.
Encanta-me o entardecer, não pelas suas sombras, mas pelo dia que continuamente me oferece. E tantas vezes, no seu brilho altruísta, dá-me a luz dourada, reflexo puro da sua majestade. ("Há-de aparecer-te uma sombra, uma ponta de tristeza. Olha a luz, analisa o teu mal e nunca deixes de regressar e de ir. Será esse o teu fado." Fala de Adeo a seu servo e amigo Paciano)
(fonte da imagem: https://www.dailypainters.com/paintings/59216/Newport-Beach-Back-Bay-Painting-California-impressionist-sunset/Karen-Winters)
Lisboa, 16/07/2013 Querida Amiga, o tempo escorrega na impaciência dos tolos. Acho que procuro embrenhar-me no meu quotidiano e espreitar os números (os teatrais e os outros, os que doem). Baixar a cabeça pode não significar submissão, antes o assegurar-me do caminho a seguir, pelos marcos deixados por quem já viveu isto também; e sobreviveu (pelo menos para assinalar o caminho). Tento não me afundar no umbigo, minha Amiga, tento abrir os braços e as mãos, não deixar a fadiga dos materiais corroer as minhas frontes. Há quanto tempo não nos vemos? Agora, medem-se as datas em a.c. e d.c. com um significado bem diferente: antes e depois da crise... terá sido, pois, em a.c que estivemos juntos. Há uma crosta de boa aparência aqui em Lisboa. Tudo parece estar nos lugares certos, até os jornais desportivos (fascinados sempre por alguém). Mas, ali ao lado, há quem nos puxe de volta para os números, para os acontecimentos, para algumas pessoas... E parece que vivemos num universo dual com matizes ora faiscantes, ora mortiças. Talvez hajam muitas realidades simultâneas... Como estamos imersos em números também coexistimos (quem sabe?) com os seus simétricos e com os seus inversos: a via crucis de uma Álgebra que nos vai triturando. É assim que te envio grandes quantidades de abraços e beijos, ficando tu certa de uma saudade de valor maior do que o défice! Jaime (fonte da imagem: http://www.blogging4jobs.com/job-search/how-to-write-your-own-killer-cover-letter/)
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)