e, na sua
duplicidade, no seu escoar, revi-me (a vida toda). É uma luta desigual, entre as tréguas dadas aos outros e as guerras contra mim...
O Sol empurra o seu brilho para as águas, quase transparentes; há indícios de memórias, certas, no suspender da respiração, na visão baça no abrir dos olhos alagados...
Busco, tenho na madrugada uma amiga, nas brumas o gesto da aliança. Ainda busco pela escuridão enrolada na névoa, água tornada gente, quase bucólica, quase êxtase. Talvez já nem busque, talvez a minha inibição aquietasse a ânsia, o querer para lá do crer. Agora sento-me, os olhos postos nos atalhos, as mãos postas numa oração crispada, mas sentida; talvez já nem tenha virado as costas, talvez se a vida assim mesmo, não o sei. Sei que a parede me aguarda, também sei que a busca findou, dançam os meus olhos nos pérfidos vocábulos que se alongam pelas páginas soltas de um diário insensato...
("Já viste os caminhos da luz, não te desvies deles e sonharás; os teus sonhos serão brilho e alegria." Fala de Platão a Aristóteles) (imagem do autor obtida com telemóvel)
Que buscas na madrugada? Que caminhos trazes, para onde te dirigem os passos? Embarcas, sinuoso de razões, na flotilha inquieta rumo ao ocaso, e caças-nos, enfatuado e bruto na alarmante vaga de um comboio de navios mal suspensos na aurora. Há, ainda, o sortilégio da memória das naus, das farripas do Império, de livros recheados de fotos que ninguém desvenda... na Normandia já ecoam os sinos, entretanto, na Flandres correm boatos... (...)
Sempre que elevas uma prece, sempre que os teus olhos caem sobre os céus, dardeja nas tuas mãos a força, a mágoa, que só a via dolorosa da dor pode conceder.
("Quando pisares o chão, acautela o teu passo, não vá a poeira do caminho conspirar sobre os teus sonhos." Fala de Leucipo a Demócrito, a propósito de um átomo)
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)