Esqueci o p/b do que sinto na luz afável, do entardecer na minha desconhecida Antuérpia. O brilho das águas-régias desfaz, suavemente, toda a paisagem, mesmo sendo Primavera. Adormeço a p/b e não o lamento: nada há de mais belo do que o cintilar líquido, roçando os sonhos suaves nesta tua Antuérpia natal.
Que buscas na madrugada? Que caminhos trazes, para onde te dirigem os passos? Embarcas, sinuoso de razões, na flotilha inquieta rumo ao ocaso, e caças-nos, enfatuado e bruto na alarmante vaga de um comboio de navios mal suspensos na aurora. Há, ainda, o sortilégio da memória das naus, das farripas do Império, de livros recheados de fotos que ninguém desvenda... na Normandia já ecoam os sinos, entretanto, na Flandres correm boatos... (...)
Sempre que elevas uma prece, sempre que os teus olhos caem sobre os céus, dardeja nas tuas mãos a força, a mágoa, que só a via dolorosa da dor pode conceder.
("Quando pisares o chão, acautela o teu passo, não vá a poeira do caminho conspirar sobre os teus sonhos." Fala de Leucipo a Demócrito, a propósito de um átomo)
Passei o promontório do medo, cruzei os remos, em jeito de espera; dois olhos secos como a dureza d'areia, fixaram-me como se o caudal das suas íris me tornasse ainda mais pagão, ainda mais gentio. Suportei as miradas, e remei, remei sempre em navegação de doce agonia, como se os meus caminhos fossem verdugos, ou ásperas calçadas. Depositei o meu olhar na crueza daquele tão nobre e frio; logo, arquejantes, se entranharam: o meu feito vadio, o outro vadiando livre...
(imagem retirada da net, do filme "clockwork orange")
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)