Vejo que esqueceste o tempo, a rude espada que te tolheu, o abraço que nunca deste. Vejo que esqueceste as nuvens, as esperanças furtivas, que te trouxeram de bandeja. Vejo que esqueceste as mãos, aquelas que o sopro aqueceu, entre tormentos excessivos.
Sim, vejo o esquecimento, as luas esquivas, a guarda que baixaste, o teu sorriso demente; há pregas e rugas na tua fala, e até as palavras esbarram no teu esgar longínquo; sinto o tremor do que pensas, o frio que te agita, os sonhos em que recusas empinar-te. Os apuros dos teus caminhos, as razias de uma memória que obliteras a cada passo, trazem-te de volta à praia: Omaha Beach...
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)