Embrulhei-me entre o ontem e o amanhã, já nem as águas chegavam; o cais estava deserto de risos, de infinitas vozes, e o mar ia lambendo os restos de algas e de verde que a memória alcançava. Navegavam os meus sonhos, e as carícias que emprestaram ao riso que te envolvia; e, assim, entre o ontem e o amanhã, num quase-alegre reboliço pintalgava um alvorecer que se ia erguendo, por detrás das águas, numa quietude transparente.
Com um pedaço de noz faço um barco, lanço-me às águas e, nas lantejoulas das ondas, construo um baloiço e encho-me de riso.
Tantas são as gargalhadas
que a noz torna-se cabaça e o baloiço montanha-russa. Então, num sorriso terno, com um pedaço de luz, o Sol espraia-se por mim, pela cabaça, pela montanha-russa num Cirque du Soleil em jeito de bruma e púrpura.
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)