Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
quinta-feira, 14 de abril de 2016
K
madrugando
Adormecer. É na dureza da tábua que se adentra a manhã, deslizando-se sem torpor, sem fricção. É a madrugada que roça as pálpebras, o som do pó nas tábuas, a noite esquecendo-se pelas frinchas. As folhas das árvores, os ramos na ginástica da brisa, o sorriso desdentado de um velho tronco. A madrugada sopra, de mansinho, os restos da noite, a poesia do sonho legitimado.
Varre, também, a loucura dos olhos teimando-se abertos, a obsessão do pensamento ladeado na demência das horas lentas, fincadas no infinito. É na madrugada que se assina o pacto com a luz, mesmo na dureza do seu refulgir metálico. ("Sê a tua própria dona. Se te inquirirem, sê uma só voz. Que nunca tenham uma ponta, um só átomo contra a tua conduta." Fala de Filemon a sua amada Baucis)
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)