Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
sábado, 28 de fevereiro de 2015
K
Olhos
Hoje, apeteceu-me o carinho dos teus olhos. Apeteceu-me o toque dos teus olhos no meu pescoço, nos meus ombros. Apeteceu-me ainda mais a carícia dos teus olhos nos meus, o veludo da tua íris a passear assim, um rasto aterrando suavemente por mim acima, perdido talvez nos sussurros das árvores, recuando até aos deuses que nos foram esquecendo, na sua truculenta escapada. Talvez hoje a brisa dos teus olhos, o teu devoto cuidar sejam memórias sentidas, apenas.
A máquina (facebook) pede-me que escreva alguma coisa, mas o orvalho, a geada, tolhem-me as mãos. As ervas estão brancas, lembrando a noite. Aquela colcha parece afagar o que está rente ao chão seria bela se não matasse. Gosto do frio que rodeia as matas. Lembra-me a Escandinávia que não conheço, mas que fantasio. Lembra-me também que somos donos de muito pouco, que tomamos emprestado o que nos rodeia. Um dia, a nossa partida ou um fenómeno natural tudo arrasará não deixando sequer memória da natureza ou das nossas construções. Quem sabe os nomes dos seus trisavós? Não estiveram por cá há muito tempo, ninguém sabe já quem foram. Como será com cada um de nós? Para mim, é um exercício de humildade contemplar o que me rodeia, um exercício de relatividade em relação ao meu tempo, que nem sequer é meu: é um bem arrendado, tal como o meu corpo. Tem algo a dizer, a replicar? Esteja à vontade. NB Uma mulher sábia (não são apenas os homens que são sábios) confidenciou-me: "Se as formigas se extinguissem hoje, daqui a 50 anos a Vida na Terra teria desaparecido; se a Humanidade se extinguisse hoje, daqui a 50 anos a Vida na Terra teria reverdecido." (texto previamente publicado no facebook) (fonte da imagem: n/a)
É no Inverno que o orvalho brilha mais sobre a caruma espalhada. É no Inverno que o frio escorre por nós abaixo, que o Sol brinca entre as árvores. O bosque, a floresta, estendem-se ante nós, contrariando, na sua Paz, o fragor que todos quer engolir.
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)