Enches o peito, para onde te apontas? Há encostas abertas pelos seus vales, há verdes secretos empalados na angústia do horizonte: cabo recortado em laivos de marés. Firmaste o pé, o peito ao léu, a lança enterrada, para onde a apontas? Sabes? Hoje já não há o quadrado, o pó misturado com sangue, o anoitecer em vitória grosseiro nos cânticos e no beber. No entanto, não desprezes a lança, ou o peito, a alegria infantil, ou a fé simples, natural, e também a teimosia fincando o pé em terra nossa: de encostas, vales e árvores, e caminhos e veredas, e gentes ainda com um sonho, um fugaz pertencer, uma pátria, uma língua, indício de alento... ("Acarinha a tua cidade através dos teus concidadãos, é no seu desgoverno que a Polis se revela; não temas, pois alguém a agarrará com pulso férreo." Fala de Heródoto a Πόρτες, cidadão tresmalhado)
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)