Escorro-me, fluido, serpenteando pelas vizinhanças que, esguias e sinuosas te entretêm nas cálidas manhãs. Ao meio-dia, entre montículos, salinas petrificantes de memórias cristalizadas, esgueiraste os teus olhos que rolaram, rolaram até mim. Na epifania do teu sorriso, plantei orquídeas, que reguei com a minha pele. Entre sorrisos inócuos, percorro os teu braços, canoas de mim. Agora, nos meandros suaves, do teu colo, fluindo pelos teus lábios, entrevejo a busca já saciada, o recheio consumido, num ápice de estertores pagãos...
Hoje, caiu Cartago. Hoje,voou a águia romana. (...) Mas, já ninguém lembra os homens mortos por um ideal, por uma ordem, ou só por ouro.
Quem foi Cartago? O que foi Cartago, isso sim. Roma foi incomodada por Cartago, logo Cartago foi derrubada...
Mas os homens, já nem lembram o Império, as suas ruínas deixam-nos alheios aos tempos, nem a morte do romano Demétrio (soldado desconhecido) ou do cartaginês Aníbal (soldado desconhecido) os levam a virar a cabeça.
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)