levam-te a montanhas de que nem o nome se sabe. Teus olhos miram, e a sua transparência afoga luas, ainda vivas de lava. Ainda é o tempo das amoras, que tu colhes sorrindo-lhes. E teus passos impacientes, apressados, estugados, têm tempo para ver o desabrochar duma flor, o voo dum colibri, o renascer da esperança....
O passaredo voa e revoa, liberta-se do ar e de si...
Ai passarada... cânticos ancestrais, trazidos pelos ares, levados por esse passaredo, que voa e revoa, e nos leva com ele, e rouba-nos às planuras altaneiras, e traz de volta o pó que nós somos...
Dei-te uma mão vazia de sentido, teus passos apressados levaram-na, sem olharem as tulipas que iam e vinham, numa maré de sal-cor.
Voltaram teus passos apressados, procuraram o que havia na minha mão; sentei-me a um canto, nem viste a ausência da mão. Vi afastares-te, acompanhada pelas tulipas,
O Teja que tudo limpa, varre as saudades, leva as farpas doces, o ser que fui, a melancolia agreste, pedaços de maresia calcam a minha vida, assassinada todos os dias, retornada sempre em fios de névoa espartilhados pelas velas antigas de barcos que foram e levaram memórias (até de mim); iço-me ao espelho do tempo e apenas revejo a neblina no meu rio que banha a minha aldeia.
Fala-me ao ouvido, sim diz-me onde foste esbragar paredes para te doerem as mãos, diz-me se os malmequeres ainda crescem perto dos ninhos das cobras, se as borboletas ainda se escapam por entre as garras dos açores; fala-me do ponto onde tudo acontece e a vida cristalizou; fala-me de ti de ti só sozinho, lânguido, suspenso entre o cá e o lá...
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)