«A religiosidade nas escolas»
O EXPRESSO de 3-12-05, a propósito da persistência de crucifixos em salas de aula de escolas públicas, refere declarações do gabinete da ministra Lurdes Rodrigues e de um responsável sindical, afirmando que essas situações se verificam exclusivamente na região Norte de Portugal e que não ultrapassam a vintena - o título da notícia é mesmo: «Só 20 escolas têm crucifixos».
Ambas as informações são factualmente incorrectas e uma simples consulta ao repertório produzido pela Associação República e Laicidade permitiria verificar que existem escolas com símbolos religiosos permanentes distribuídas pela região Norte, pela região Centro, pela região de Lisboa e pela do Alentejo e, sobretudo, permitiria perceber que essas situações foram citadas a título meramente exemplificativo, sendo muitas outras aí deliberadamente omitidas para proteger a privacidade das pessoas que fizeram chegar a informação à associação.
Acrescente-se que a Associação República e Laicidade considera a medida entretanto tomada pelo Ministério da Educação - mandar retirar crucifixos de salas de aula a pedido explícito de encarregados de educação - claramente insuficiente: está constitucionalmente garantido aos cidadãos portugueses o direito de não serem, por forma alguma, postos na situação de terem que revelar convicções (positivas ou negativas) que mantenham, designadamente em matéria religiosa, e o exercício desse direito, que não se compadece com a postura agora adoptada pelo Governo, requer a retirada de todos os símbolos religiosos das salas de aula, garantindo assim, a par da não confessionalidade da escola pública, a separação entre o Estado e as igrejas e a igualdade entre todos os cidadãos independentemente das suas convicções em matéria de religião.
Ricardo Alves (Secretário da Direcção)
Carta enviada ao «Expresso» e publicada no dia 10/12/2005, com o título aqui reproduzido.
Penso que esta "questão do crucifixo" é estranha. Retirar crucifixos de salas de aulas onde já estavam, faz lembrar proselitismos radicalistas. A liberdade religiosa é um garante constitucional de qualquer cidadão. Aí estamos de acordo. Se são construídas novas escolas, não há razão para colocar crucifixos nas salas; o Estado é laico, as escolas, públicas.
Retirar crucifixos de salas onde já estavam, peço desculpa à Associação República e Laicidade, traz-me sempre à memória o que se passou com alguns jornalistas portugueses em visita à Albânia nos idos do pós 25 de Abril. Levavam consigo o seu inocente "Diário de Notícias". À chegada ao aeroporto de Tirana, foram-lhes imediatamente confiscados os jornais. Razão? Na secção dos obituários eram representadas cruzes (relativas aos falecidos); ora, como toda a gente sabe, a cruz é um símbolo religioso, "ergo" não podia ser mostrada num local tão laico como a Albânia de então...
Peço, uma vez mais, que me desculpem. Esta "questão dos crucifixos" recorda-me a "simbologia da cruz" na Albânia nos idos de 75. É uma comparação exagerada, bem o sei. Mas será tão necessário ir à pressa retirar os crucifixos em nome da Constituição? Um simples crucifixo irá ferir assim tanto a intimidade religiosa/ateia/agnóstica de um professor/aluno/funcionário?
Não terão estado as cruzes e os crucifixos tão ligados à nossa História? O que encimava os padrões que os nossos navegantes iam erguendo por esse mundo fora? Que símbolo se encontrava em qualquer praça de qualquer localidade onde estivesse um pelourinho?
Não haverá assuntos mais importantes a tratar nas escolas do que esta "caça ao crucifixo"?
Sei que se trata de um assunto melindroso; sei, também, que o nosso povo é anti-clerical, mas profundamente religioso.
Sei do que falo. Não sou católico romano; apenas cristão. O crucifixo, para mim, não tem qualquer sentido: Jesus já está ressuscitado e vencedor sobre a morte; não está, pois, já pregado numa cruz. Mas isto são os meus ideais cristãos que, espero, não firam um qualquer concidadão na sua liberdade religiosa.
Já agora, e "a talho de foice", aproveito para exprimir a minha perplexidade pelo facto de os bispos católicos já não serem convidados para actos públicos. Provavelmente para manter o ideário da desvinculação absoluta entre os representantes da Igreja de Roma e o Estado Português.
Na minha modesta opinião, um Estado verdadeiramente democrático deveria convidar os representantes de todas as convicções religiosas para qualquer acto público. A vida em democracia, se passa pelo direito à liberdade religiosa consagrada pela Constituição da República, também passa pela igualdade de tratamento de todas as religiões. E seria bonito ver um bispo católico lado a lado com um pastor evangélico, um padre ortodoxo, um monge budista e por aí fora. Uma cerimónia de carácter público ganharia assim um ar de democraticidade e de igualdade que, provavelmente, seria um exemplo para a os restantes países da União.
Mas, em tudo isto, talvez esteja a sonhar um pouco alto demais...