Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
K
CONCENTRAÇÃO
Não, não conheço Treblinka, Auschwitz. Não divisei Eichmann entre secretárias risonhas, cínicas. Mengele, Goering nunca me foram apresentados. Memórias rodadas, transparências dolorosas. O trabalho, amigo do pão; a pá, amiga da vertigem, já não tombavam em verticais gozos lacrimais. Não vi aqueles que hoje, veriam Treblinka, Auschwitz em cada canto da sua liberdade incógnita. Queridos alentos, aplaudem Eichmann, Mengele, Goering. Suspiros, sussurros, vagas de torcida inquietude; caem três tordos, três abutres gargalham, nessa queda elíptica, raiz quadrada da derrota estatística, função singular de um "rouge" assim petiscado, numa fossa alva, viva de memórias farpadas, armas sem cravos, gargalhadas reversíveis.
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)