Dizer um poema é orar; todos os poetas são abençoados por Deus. (adapt. de Rosa Lobato de Faria)
quarta-feira, 28 de março de 2007
K
Esboço
Da boca afogada, saiu um qualquer gemido. Sentada, hirta, as costas pareciam um espaldar. Esperava; pontos de água pura rendilhavam-lhe as faces vermelhas, cor dos olhos. As mãos retorciam-se num trapo velho mas alvo. Gemeu de novo. O banco de madeira onde se sentara acompanhou-a. Os pés cruzados, firmes no chão de pedra, as mãos sem parar. Os olhos, fogo apagado, miravam para lá da parede, para lá... Não soluçava, apenas, a espaços, um gemido, as faces brilhantes...
(...)
Fechei os olhos; em toda aquela imagem viva, sofredora, dolorosa, esmagada, não era necessário depor um corpo; ela era uma Pietà...
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)