Minha querida Σειρῆνας:
O voltar a ver-te,
a tua foto, bem sei,
à posteriori,
melhor, a la “post-mortem”,
deixou-me pensativo:
tanto por dizer,
melhor, por borbulhar,
tantas “discos”,
melhor, grutas, para ir…
tanto que ver,
melhor, por submergir…
Afinal, tudo terá ficado
em águas de
bacalhau…
Estou a falar para uma morta,
para um “ex-queleto”,
mas isto é só desabafo,
amanhã falarei para uma orca…
Depois de estarmos juntos,
depois dos abraços,
dos beijos
e das muitas escamas,
perdi-te o rasto,
melhor, a rota,
(talvez o destino…).
Muitos marinheiros
sorriram,
em espanto boçal
ao me ouvirem falar de Σειρῆνας.
Afinal, Σειρῆνας era
uma cornucópia de onde
nem sempre saíam fortunas;
tantos homens
“que não se aviavam em terra”
tinham lamentado os seus encontros,
talvez Ulisses também…
Houve muito tempo,
(demasiado)
em que os teus braços
estreitavam os veleiros,
numa busca desvairada,
e os homens que te ouviam
que atentavam
às tuas palavras indecifráveis,
mergulhavam,
deslizavam,
iam contigo,
na tua vitória amarga,
num torvelinho de pavor,
punhos loucos,
negruras eternas;
eras o coração
que vingava
o teu próprio sortilégio.
Também por isso descurei
a tua presença.
Traidor da minha espécie?
Talvez…
Soube que me vigiavas:
disseram-me em Antikytera,
avisaram-me em Santorini,
e, no anil desperto da manhã,
em Samotrácia a Pandora jurei.
Má sorte a minha:
do teu abraço
para a esperança-traição;
criaram-me o dito:
“Amou Σειρῆνας,
depois Pandora,
caminhos o levaram,
sozinho, afinal”.
Enfim,
o esquecer-te
tornou-me livre,
na liberdade da viagem,
da viagem com os olhos postos,
não na espuma,
mas no horizonte,
que tu não vias,
que tu desejavas
não ver.
Armei-me, pois,
às ondas,
ao desespero da terra firme
e, de novo, à ânsia das ondas
num ir-e-voltar delirante;
um quase-anfíbio,
mas muito longe de ti
(até de Pandora);
e que esperava eu?
Estar de bem com as ondas
e com a praia?
Com os homens
e com os mitos?
Regressei à minha paz
e, ao voltar a ver-te,
a tua foto, bem sei,
à posteriori,
melhor, a la “post-mortem”,
assim espalmada,
uma barbatana quase-de-bacalhau,
a cabeça descaída,
as mãos-ossos
ainda a quererem dar-se
(ou a receber?),
sorri,
aliás gargalhei,
empatia da minha boca
com as tuas mandíbulas abertas,
e sussurrei,
em jeito de saber
de experiência feito:
"No grande mar se cria o grande peixe”,
acrescentei:
“Σειρῆνας nunca foi peixe,
o mar só foi grande sem ela”…
(texto concorrente a um desafio de
(foto obtida a partir desse desafio)
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