Sentado no molhe, um marinheiro a quem o mar já não chama. Um horizonte carregado de alma, de sonho e memória. No bolso, um papel dobrado:
Onde Caibo? Este Atlântico Não me Ouve.
Chove; as águas mergulham sobre si mesmas. Correntezas antigas flúem nas lembranças que já não vêm… Gritos abafados de gaivotas levam consigo velhos pergaminhos há muito esquecidos…
Ao princípio, era apenas o chamamento cadenciado e repetido do mar-rio. Na terra de gaivotas, os pombos e os pardais também pousavam. De cada vez que a água, no seu vai vem, queria tocar-lhes, recuavam uns passos. Passos? Os olhos vão abarcando lonjuras. Mas perto, um homem cinzento confunde-se com a sépia do cais velho, ferrugento. Confunde-se, faz parte desse cais e não quer ser acordado desse sonho-viagem, suponho que diário. Os barcos conhecem-no bem. Não o acordam. E ele, de tanto se confundir, é já o cais onde chegam e partem ilusões.
(mas as gaivotas roubaram do seu bolso "os velhos pergaminhos" que não mais serão esquecidos...)
"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."
Naguib Mahfouz, romancista egípcio, na mensagem que enviou, em 1988, à Academia Real Sueca a agradecer o Prémio Nobel da Literatura, o único a ser atribuído até à data, a um escritor árabe
(cit. em "Dicionário do Islão", Margarida Lopes, ed. Notícias)
4 Comentários:
Como num truque de ilusionismo,...um papel permanece dobrado no bolso.
Será que até mesmo a natureza das coisas pode encontrar-se suspensa do seu fim?
O CAIS DO HOMEM CINZENTO
Ao princípio, era apenas o chamamento cadenciado e repetido do mar-rio.
Na terra de gaivotas, os pombos e os pardais também pousavam.
De cada vez que a água, no seu vai vem, queria tocar-lhes, recuavam uns passos.
Passos?
Os olhos vão abarcando lonjuras.
Mas perto, um homem cinzento confunde-se com a sépia do cais velho, ferrugento.
Confunde-se,
faz parte desse cais
e não quer ser acordado desse sonho-viagem,
suponho que diário.
Os barcos conhecem-no bem.
Não o acordam.
E ele, de tanto se confundir,
é já o cais onde chegam e partem ilusões.
(mas as gaivotas roubaram do seu bolso
"os velhos pergaminhos" que não mais serão esquecidos...)
"...Onde
Caibo?
Este
Atlântico
Não me
Ouve."
Posso postar este poema? Gostei muito dele...
Um abraço e bom fim de semana, especialmente junto ao mar... ;)
A Poesia Portuguesa disse tudo!
Há coisas que só admitem a unanimidade!
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