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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Vendaval
Portimão, 20/12/89


Caro amigo:
De frente para um mar escuro com sombras, luzes fugazes de faróis ou barcos que partem ou voltam, escrevo-te sem saber bem porquê. Há como que uma necessidade de comunicar, de deixar registado; as conversas, por vezes, têm o dom de serem esquecidas, sobretudo aquilo que mais interessava que fosse lembrado.
Por tudo isto, resolvi mandar-te umas "imagens" que me ficam desta estada de fim-de-semana no Algarve. Tem sido um tempo de paragem (não necessariamente de reflexão) e de alguma tristeza. Sim, uma tristeza que, aparentemente, não tem razão de ser. Não se me têm aflorado recordações que, pelo menos, permitissem o tão estafado "balanço de fim de ano". Será a sensação de não ter feito nada, de não haver escrito algo que realmente me agradasse, que, enfim, eu tivesse encontrado o meu "caminho" na escrita?
Já deves de ter notado que me tenho quedado pelas "frases feitas", pelo "dejà vu"... afinal, parece que por muito que me "esprema"  não consigo escrever nada que me agrade, daí o refúgio nos lugares-comuns. Tudo se me afigura como isso mesmo: um gigantesco, um imenso lugar-comum. Mas, acredito, que não é pela fuga, pelo esconjuro daquilo que é visto e sentido pela multidão que eu me posso encontrar. Trata-se de enfrentar, de "procurar o que está por de detrás" de tudo isso que algo acabará por aparecer, algo acabarei por criar. Trata-se sobretudo de escrever muito, muito, de comparar com aquilo que já fiz, em suma, de aperfeiçoar-me, de pôr nos meus olhos a perfeição e nada mais do que ela...
Perguntar-me-ás: e foste tão longe apenas para isso? Não, "isto" aconteceu, foi uma consequência da tristeza que já trazia de Lisboa. Não temos saído muito, mas o estar com alguns amigos tem sido uma dádiva, não um refúgio.
Como já deve de haver uma comunhão de sentimentos: o de não apetecer (a ti ler mais, a mim escrever mais), daqui te envio um grande abraço.
J.
(fonte da imagem:
http://www.bretagne.com/fr/)

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