domingo, 22 de julho de 2012

K

Σειρῆνας


Minha querida Σειρῆνας:
O voltar a ver-te,
a tua foto, bem sei,
à posteriori,
melhor, a la “post-mortem”,
deixou-me pensativo:
tanto por dizer,
melhor, por borbulhar,
tantas “discos”,
melhor, grutas, para ir…
tanto que ver,
melhor, por submergir…
Afinal, tudo terá ficado
em águas de bacalhau
Estou a falar para uma morta,
para um “ex-queleto”,
mas isto é só desabafo,
amanhã falarei para uma orca…
Depois de estarmos juntos,
depois dos abraços,
dos beijos
e das muitas escamas,
perdi-te o rasto,
melhor, a rota,
(talvez o destino…).
Muitos marinheiros
sorriram,
em espanto boçal
ao me ouvirem falar de Σειρῆνας.
Afinal, Σειρῆνας era
uma cornucópia de onde
nem sempre saíam fortunas;
tantos homens
“que não se aviavam em terra”
tinham lamentado os seus encontros,
talvez Ulisses também…
Houve muito tempo,
(demasiado)
em que os teus braços
estreitavam os veleiros,
numa busca desvairada,
e os homens que te ouviam
que atentavam
às tuas  palavras indecifráveis,
mergulhavam,
deslizavam,
iam contigo,
na tua vitória amarga,
num torvelinho de pavor,
punhos loucos,
negruras eternas;
eras o coração
que vingava
o teu próprio sortilégio.
Também por isso descurei         
a tua presença.
Traidor da minha espécie?
Talvez…
Soube que me vigiavas:
disseram-me em Antikytera,
avisaram-me em Santorini,
e, no anil desperto da manhã,
em Samotrácia a Pandora jurei.
Má sorte a minha:
do teu abraço
para a esperança-traição;
criaram-me o dito:
“Amou Σειρῆνας,
depois Pandora,
caminhos o levaram,
sozinho, afinal”.
Enfim,
o esquecer-te
tornou-me livre,
na liberdade da viagem,
da viagem com os olhos postos,
não na espuma,
mas no horizonte,
que tu não vias,
que tu desejavas
não ver.
Armei-me, pois,
às ondas,
ao desespero da terra firme
e, de novo, à ânsia das ondas
num ir-e-voltar delirante;
um quase-anfíbio,
mas muito longe de ti
(até de Pandora);
e que esperava eu?
Estar de bem com as ondas
e com a praia?
Com os homens
e com os mitos?

Regressei à minha paz
e, ao voltar a ver-te,
a tua foto, bem sei,
à posteriori,
melhor, a la “post-mortem”,
assim espalmada,
uma barbatana quase-de-bacalhau,
a cabeça descaída,
as mãos-ossos
ainda a quererem dar-se
(ou a receber?),
sorri,
aliás gargalhei,
empatia da minha boca
com as tuas mandíbulas abertas,
e sussurrei,
em jeito de saber
de experiência feito:
"No grande mar se cria o grande peixe”,
acrescentei:
“Σειρῆνας nunca foi peixe,
o mar só foi grande sem ela”…

(texto concorrente a um desafio de

(foto obtida a partir desse desafio)

terça-feira, 10 de julho de 2012

K

crime perfeito...

Tudo começou por ser estranho, como é já da praxe.
Parecia ter-se tratado de um crime. Suspeitos? Havia quem se risse à socapa: poderiam ser tantos que a contagem seria um exercício de futilidade.

            AG havia muito que aparentava ter-se retirado (era, apesar de tudo, ainda um suspeito).

            DB andava por essa Europa fora, aparecendo o suficiente para ainda ser lembrado.

            Quanto a SL tinha estado pouco tempo, era provável que nem tivesse muitas responsabilidades no assunto.

            Sobravam JS e PC: eram os mais recentes, eram aqueles cujos comportamentos poderiam denunciar algo. Sabia-se que JS estava fora, levando uma vida de alegre prodigalidade disfarçada de labor intelectual: suspeito! PC mencionara o assalto, trouxera-o para as conversas de café: suspeito? Havia até quem falasse em entidades estrangeiras: demasiado rebuscado?

            As pessoas estavam aturdidas, tristes, dobradas sobre as suas próprias carências. Tudo fora tão súbito: de repente tudo mudara, tudo se encaixara numa realidade nova e “teimosa” a que ninguém parecia querer adaptar-se. A escassez doía e, mesmo com promessas de dias melhores, mesmo com o encorajamento dos bons desempenhos, sobrava um gosto seco de ausência de infinito, do não-regresso dos dias felizes, em que ninguém se apercebia da felicidade, porque afinal era felicidade e ninguém a enxerga enquanto vive nela; é como a saúde, é como com as coisas que se tomam como adquiridas.

            Fui dar uma grande volta pelos portugueses: nos transportes públicos as pessoas aparentavam tristeza, como se a Selecção há muito não fosse feliz nos jogos efectuados, como se a inquietação escorresse pelas paredes depois de ter submergido toda a gente, como se o Sol teimasse em ser sombra e a Lua ausência.

            Viam-se agora mais pedintes que queriam comida e não dinheiro. Viam-se também muitos comentadores de TV a tentar explicar o inexplicável: nunca na televisão aparecera tanta gente a opinar, a zangar-se, a entristecer-se com a sua própria impotência.
           
No fundo, o facto de não se saber quem fora o perpetrador ainda deixava as pessoas mais baralhadas, isto não era um “crime perfeito”, não era algo se fizesse a quem tanto necessitava, “não se faz”, dizia-se, “não se podem assim roubar o Subsídio Férias e o Subsídio de Natal!”

(texto concorrente a um desafio de

(foto do autor obtida com telemóvel)

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segunda-feira, 2 de julho de 2012

K

Sol...


  Não te prives de ti mesmo,
pode o Sol fugir-te,
em rastos de ouro
trilhando memórias
ausentes...

(foto do autor
obtida com telemóvel)

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"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."

Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Leia, assine e divulgue! Sopro Divino

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